sexta-feira, 2 de abril de 2010

Mrs. Dalloway


Um escritor é uma mulher. O trabalho é como dar à luz e os pintos tem útero.



O que ninguém suspeitava era que por detrás do sorriso caloroso, da atitude acolhedora, um fogo sufocava Mrs. Dalloway. A serenidade que dela emanava impedia as pessoas de perceberem que não havia nada bem em sua vida, ao contrário do que seu jeito os fazia acreditar. A festa, há muito aguardada pelos que lhe cercavam, deveria continuar. Sua fachada, o vestido preto, simples, assentava-se perfeitamente às névoas depressivas que lhe seguiam por onde fosse, como um manto. O som das conversas chegava até ela como uma tortura; o tilintar das taças a enervava; cada vez mais queria morrer. Somente morrer. Caminhava por sua sala, entre as pessoas, e sorria. Com a alma presa entre placas de chumbo, sendo soldada, mas sorria. As lágrimas eram cáusticas aos seus olhos, lutando para fugir, entregando o seu descontrole. Resistia. Ansiava pelas horas após o cessar das músicas; as horas de calmaria, aonde ia se entregar à escuridão; as horas de luto pelo que sentia. “Paredes, podem vocês guardar meu segredo?”. Valsava com os homens que lhe convidavam, atendia as mulheres que lhe procuravam. Servia aos presentes com olhos amargurados, fixados num ponto indizível do passado, onde perdeu a consciência de quem era. Mrs. Dalloway atuava com destreza tamanha o seu papel, encantava com sua doçura a todos que lhe encontravam. E, por dentro, sucumbia ao veneno que pulsava em suas veias, ribombando em seu cérebro. Os estertores de que tentava escapar pressionavam fortemente seu peito, incitando-a ao delírio. Até não mais resistir. A bela mulher desabrochou numa imensa gargalhada ao desenrolar seu próprio destino. Quem lhe observasse durante a noite lhe via em felicidade transbordante. E a partir daquele instante seria real. Rindo de sua piada íntima, Mrs. Dalloway trancou-se no quarto. Os efusivos convidados só deram por sua falta ao ouvirem o barulho e encontrarem-na pálida, morta. Mas sorrindo. Ela e as paredes em coro, únicas à parte da farsa que se tornara a vida.

- Mrs. Dalloway, personagem de Virginia Woolf, onde busco inspiração nas tardes solitárias de inverno.

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